A reflection on the Birmingham Screwdriver

Birmingham Screwdriver Company Art by Foka Wolf

This week, I delved into the intriguing world of the Birmingham screwdriver—a slang term for a hammer. It turns out that in the 19th century, Birmingham, a bustling hub of the Industrial Revolution, faced a similar bias to the one we’ve witnessed more recently toward China; there was a preconceived notion that everything produced there lacked quality due to unskilled labor. Due to this lack of skill, workers would use the same tool – supposedly, a hammer – for all purposes.

“If the only tool you have is a hammer, it is tempting to treat everything as if it were a nail.” – I had already heard this quote, which seems to be attributed to Maslow (the same person who created the hierarchy of needs), but the Birmingham historical background brings a different charm to the concept. Fast forward to 2024, I am often reminded of it by the highly skilled workers of the tech community. In tech, trends in tooling often resemble Birmingham screwdrivers. 

Take Scrum, for instance. It’s been around for almost three decades, yet only recently have people begun to grasp that agility is more about mindset than process. It’s about adapting your approach based on your team’s people and purpose. More recently, this notion struck me when, as a product manager, I noticed a push towards releasing everything as an A/B test. While this can be beneficial in certain scenarios, it’s not a one-size-fits-all solution. For instance, in my case with a small audience, running experiments can lead to long waits for meaningful results and legal compliance headaches. I fear that sometimes people may take refuge in experimentation to compensate for poor discovery (hence, higher risk).

Back to the hammer. Cognitive biases affect every profession, regardless of “skill” level. I use “skilled” in quotes because true expertise includes understanding our own cognitive distortions. Education often overlooks teaching us critical thinking and self-awareness. It’s not just about learning what others have theorized but stepping into the shoes of the philosopher, constantly questioning assumptions and beliefs. Discovering and addressing our biases not only makes us better professionals but also more empathetic individuals. We begin to see that certain behaviors stem from a lack of exposure to information or critical stimulation, rather than inherent flaws. As a parent navigating the challenges of raising a curious 4-year-old, I’m reminded daily of how hard it is to foster a questioning mindset, as the first thing she’ll do with it is to object my parental authority. So excuse me while I drown in despair over constant toddler meltdowns – I’m doing it for the greater good.

A deseducação de Maria Montessori

Tradução para Português do artigo publicado por Jessica Winter na revista The New Yorker a 3 de Março 2022


O seu método, destinado ao público, transformou-se em privilégio.

Quando a minha filha era pequena desenvolvi uma obsessão por uma escola que ficava a poucos quarteirões do nosso apartamento – uma casa de conto de fadas de estilo Tudor, com painéis vermelhos, chaminé em tijolo e um parque infantil todo feito em madeira. As janelas do rés-do-chão escondiam-se atrás de altos arbustos de um verde escuro e impenetrável. E, também ali, estava tudo aquilo que uma infância deveria ser, acreditava eu – só faltava lá estar a minha filha. Quando a visitei, a escola correspondeu às expectativas. Crianças dos dois aos seis anos mostravam-se sérias e serenas, conversavam umas com as outras ocasionalmente num tom baixo e atencioso. Empilhavam blocos, faziam correntes com contas e organizavam quadros de letras. Eu já tinha visto aqueles blocos, contas e quadros antes, mas nunca usados daquela forma, com representações tão específicas e meticulosas. A certa altura chegou a hora de “andar na linha” – um ritual matinal em que as crianças andavam sobre uma linha de fita adesiva no chão, às voltas, em silêncio e espaçadamente – senti-me dominada por uma sensação de espanto com tal conformidade.

Aquela era a nossa escola Montessori local. Convenci-me de que, com alguma poupança e criatividade, poderia de alguma forma arranjar dinheiro para lá inscrever a minha filha. Marquei a entrevista obrigatória; a diretora comentou comigo: “Oh, ela é fantástica”; e nesse momento eu estava capaz de assinar um contrato com a Sea Org1 em troca de um ano de matrícula. Mas ao analisar melhor os números, no fim de semana seguinte, concluí que só poderia pagar a mensalidade se me endividasse – e, de facto, considerando essa possibilidade, podemos dizer que há pouca coisa que não consigamos “pagar”. Anulei a inscrição e para me sentir melhor comigo própria comprei um quadro de contagem Montessori de cem peças na Amazon para lhe oferecer. (Ela mal lhe tocou, e eu acabei por me livrar dele depois de constatar que o irmão mais novo tinha desenvolvido um certo interesse por comer os números).

Pais curiosos com a pedagogia Montessori mas com orçamento limitado poderão encontrar uma certa consolação na ampla e duradoura influência da fundadora do movimento, Maria Montessori, médica e educadora italiana cujas ideias e inovações estão omnipresentes mesmo nas escolas que não usam o seu nome. A rejeição das carteiras individuais, a favor de tapetes e mesas infantis, a primazia das aprendizagens práticas, das observações diárias como a “aula de linha” (quando as crianças se sentam de pernas cruzadas num tapete para partilhar novidades e participar em aulas em grupo) ou a “hora da escolha” (quando as crianças se distribuem por vários “centros” da sala de aula dedicados à arte, à música, à construção de torres, entre outros) – todos esses elementos da educação infantil têm origem na filosofia de Montessori.

Na viragem do século XX, pensar que a educação pudesse ser centrada na criança – moldada de acordo com seu cérebro e corpo reais – era considerado revolucionário. Montessori e muitos dos seus discípulos transformaram-no em senso comum. Mais do que isso, acreditavam em algo que ainda hoje parece contra-intuitivo: que as crianças são, na sua essência, seres metódicos e autodirigidos, com uma forte ética de trabalho, perfeitamente capazes de se concentrar profundamente, e que sua tendência para a desatenção e interrupção pode ser considerada uma resposta razoável a um ambiente pouco harmonioso. Como escreve Cristina De Stefano em “The Child Is the Teacher” (Other Press), uma nova biografia de Montessori, “As crianças, colocadas no ambiente certo, dotadas dos materiais certos, deixam de ser agitadas e barulhentas e transformam-se em criaturas silenciosas, calmas, felizes por estarem a trabalhar”.

Esta filosofia educativa, a mais ordenada e tranquila de todas, teve origem nas circunstâncias mais sombrias e caóticas que se possam imaginar. Em 1897, Montessori, uma das primeiras mulheres em Itália a obter um diploma em medicina, tinha acabado de se formar pela Universidade de Roma e era voluntária na clínica psiquiátrica da universidade, onde as suas responsabilidades incluíam visitas aos medonhos asilos da cidade. Naquela época, a doença mental era amplamente vista pelos católicos como uma forma de retribuição divina, mas Montessori afeiçoou-se às crianças que viviam nesses asilos, muitas das quais tinham sido internadas devido a deficiências, embora outras simplesmente sofressem de desnutrição ou negligência. O seu interesse pelas crianças levou-a ao encontro dos trabalhos do pioneiro da educação especial Édouard Séguin, que utilizava bolas, blocos, contas, botões e ferramentas do quotidiano no seu trabalho com crianças de asilos em Paris, e de Friedrich Froebel, o educador alemão que deu origem ao conceito de jardim de infância e que deu o seu nome aos brinquedos conhecidos como “presentes Froebel”: bolas de lã, esferas e cilindros de madeira. Séguin e Froebel perceberam que o desejo das crianças de tocar e manipular tudo à sua volta, facilmente confundido com comportamento a ser gerido, poderia ser mais corretamente interpretado como autoeducação.

Em 1900, com 29 anos, Montessori tornou-se co-diretora da Escola Ortofrenica2, em Roma, o primeiro instituto de formação do país para professores de educação especial. Os estagiários trabalhavam com alunos seleccionados dos asilos ou com aqueles que não tinham conseguido acompanhar o currículo da escola pública. Durante dois anos, Montessori ensinou alunos e professores durante mais de onze horas por dia, ficando até mais tarde a ler, escrever e esboçar planos para construir os seus próprios “presentes” inspirados em Froebel. Alguns dos seus alunos, surpreendentemente, conseguiram passar nos mesmos exames da escola primária realizados aos seus pares do ensino regular, embora Montessori tenha desvalorizado esses resultados – o bom desempenho dos seus “pequenos idiotas”, como lhes chamava, servia mais como testemunho do estado do sistema escolar estatal do que como aprovação da sua pedagogia, afirmou.

A Escola Ortofrenica foi também ponto-chave de um melodrama pessoal: Montessori apaixonou-se pelo seu co-director, Giuseppe Montesano, e, em segredo, deu à luz um filho. A criança foi levada para uma ama de leite no campo; Montesano casou com outra mulher, e Montessori, considerando insuportável a proximidade ao seu ex-amante, demitiu-se do cargo na escola. De Stefano conta que neste momento ela perdeu “tudo o que tinha feito pela educação especial, a missão pela qual tinha abandonado o filho à nascença”. Tamanho sacrifício funcionaria perfeitamente como um trágico volteface num filme biográfico da vida de Montessori candidato ao Óscar. No entanto ele não reflete inteiramente a realidade: depois de se demitir, Montessori dedicou-se à investigação antropológica em escolas públicas convencionais, terminou a tradução de cerca de seiscentas páginas do trabalho de Séguin para italiano, e aceitou um cargo na Universidade de Roma, onde proferiu palestras que propunham “fundamentos práticos para uma reforma de grande alcance nas nossas escolas”. (Reencontrou-se com o filho, Mario, quando este era adolescente, e, em adulto, ele tornou-se um dos seus colaboradores mais próximos).

A oportunidade de concretizar essa reforma surgiu em 1906, quando Montessori, à época já uma educadora reconhecida, obteve o apoio de um grupo de financiadores romanos. No ano seguinte, no dia da Epifania, inaugurou a sua primeira sala de aula — a Casa dei Bambini, ou Casa das Crianças — num prédio arrendado em San Lorenzo, um bairro operário com elevados índices de pobreza. A filha do porteiro do edifício ficou nominalmente responsável, supervisionando cerca de cinquenta crianças, dos dois aos seis anos, em atividades como abotoar botões, encher e esvaziar recipientes com água e desenhar com lápis de cor. Estas escolas multiplicaram-se em Itália, depois por toda a Europa, encontrando muitas vezes os seus ambientes mais acolhedores em regiões com forte presença socialista. Na Casa dei Bambini de Nápoles, alguns dos alunos eram tão pobres que não conheciam os utensílios que eram colocados na mesa à hora das refeições; em França, as aulas Montessori foram criadas expressamente para ajudar crianças traumatizadas pela Primeira Guerra Mundial. E, no entanto, estas crianças, apesar das suas privações, demonstraram uma resposta impressionante aos métodos de Montessori. Em particular, fizeram progressos rápidos e entusiasmados nas suas competências de escrita, motivados por um sistema — letras móveis, recortadas de lixa e coladas em quadros — baseado em brincadeira, e não na memorização mecânica.

Montessori encontrou os contornos da sua filosofia e detalhou-os no seu primeiro livro, publicado com o título “O Método Montessori” na América, em 1912. Era profético de formas que permanecem estranhamente atuais. As suas salas de aula aboliram recompensas e castigos — uma entre muitas das suas rejeições à doutrina da Igreja Católica que divide entre céu e inferno — e visavam incutir motivação intrínseca e auto-regulação, conceitos promovidos por populares gurus parentais da atualidade, como Janet Lansbury e Becky Kennedy (“Dr. Becky”). Nos seus lamentos sobre a forma como os adolescentes estão “sujeitos à chantagem mesquinha das ‘más notas'”, Montessori antecipou o “movimento sem notas” nas escolas, o movimento de não adesão a testes padronizados e uma vasta literatura indicando que o foco nas notas e testes pode desencorajar a aprendizagem significativa. Ao afirmar que, nas palavras de De Stefano, “o autoritarismo e a competitividade — os ingredientes da escola tradicionalmente concebida — criam violência”, Montessori previu aspectos do chamado “funil escola-prisão”3.

“A criança, um ser humano livre, deve ensinar-nos e ensinar à sociedade ordem, calma, disciplina e harmonia”, escreveu Montessori. De certa forma, o motor do seu método era paradoxal: ordem é liberdade, e vice-versa; o professor está subordinado à criança, mas de forma poderosa; a criança deve ser deixada por sua conta, mas de forma sistemática, e os materiais devem ser feitos de madeira.

As editoras americana e italiana de De Stefano declararam, nos seus materiais promocionais e na sobrecapa do livro “A Criança É o Professor” que esta é “a primeira obra biográfica sobre Maria Montessori escrita por uma autora que não é membro do movimento Montessori, mas que teve acesso a cartas originais, diários, notas e textos escritos pela própria Montessori”. É uma afirmação curiosa, considerando que a jornalista Rita Kramer publicou uma biografia, em 1976, baseada no arquivo da Associação Montessori Internacional e em entrevistas com Mario e outros familiares. No seu posfácio, De Stefano descarta esse livro como “sólido mas datado”, e no entanto a sua própria biografia parece às vezes uma espécie de resumo do trabalho de Kramer, recapitulando os mesmos eventos e retirando do mesmo saco de relatos e citações, mas frequentemente despojando-os de contexto histórico, cultural ou pedagógico.

O que De Stefano acrescenta ao tema é um estilo distinto – ela narra a vida de Montessori num presente declamatório, por vezes hiperbólico, começando com uma jovem Maria sentada numa sala de aula em Roma, em 1876, que “é como todas as outras no Reino de Itália: uma prisão para crianças”. Quando Maria lê em voz alta para a sua turma, “põe todos a chorar”. (A sério? Todos?) Os capítulos são curtos e o ritmo é rápido: Maria faz a entrevista para a faculdade de medicina na página onze. Parece brilhar sozinha na escuridão; tem muito poucos precursores (a excepção é Séguin, a quem De Stefano dedica dois capítulos e meio) e nenhuma vida após a morte. Quando ela morre, o livro acaba.

E qual é a “vida após a morte” de Maria Montessori? De Stefano critica os céticos não identificados que acreditam que as “ideias de Montessori não podem ser aplicadas em escolas para as massas, que só funcionam com os filhos dos ricos, que frequentam escolas privadas”. No entanto, a ironia óbvia da cruzada de Montessori em prol dos mais pobres e menos poderosos da sociedade é que o seu legado mais visível são escolas privadas seletivas para a elite. À medida que as notícias da experiência de San Lorenzo se espalharam por Roma, dois dos primeiros adeptos foram o presidente da câmara e o embaixador britânico na Itália; aristocratas e diplomatas começaram a criar salas de aula Montessori nas suas salas de estar. A primeira escola Montessori na América do Norte ficava dentro de uma mansão georgiana em Westchester, em 1911, com doze alunos: os seis filhos de Frank Vanderlip, um fundador da Reserva Federal, e alguns primos e amigos. A educadora Helen Parkhurst, que se formou com Montessori em Roma, fundou a Escola Dalton, em Nova Iorque, onde o valor das propinas ultrapassa hoje os cinquenta e sete mil dólares. E, embora a influência de Montessori continue a ser uma força salutar nos programas universais do pré-escolar, ela desaparece abruptamente no jardim de infância público, onde os objetivos curriculares comuns4 eliminam a brincadeira livre favorecendo exercícios académicos e avaliações. Atualmente existem apenas algumas centenas de escolas públicas Montessori nos EUA. Mira Debs, diretora executiva do programa de Estudos Educacionais de Yale, observa um padrão nestas escolas, que se vão “tornando mais brancas e ricas com o tempo”.

A ascensão de Montessori partilhou a mesma trajetória da de outros visionários. Como De Stefano mostra, os efeitos desorientadores da fama desenvolveram nela uma dependência pela adulação, mas também uma desconfiança paranóica mesmo dos seus acólitos mais próximos. (Quando se afastou de Samuel McClure, empresário editorial que a ajudou a promover o seu trabalho nos EUA, um apoiante consternado observou: “Parece-me que ela não tem capacidade de perceber quem são os seus amigos.”) A sua fé ardente na sua filosofia e nos seus métodos esteve na origem da sua popularidade, mas também do medo de que essa mesma popularidade os diluísse e destruísse. A longevidade do culto de Montessori advém, em parte, dos seus esforços extremos para proteger o seu trabalho da contaminação: manteve um monopólio pessoal sobre a formação e certificação de professores no seu método, controlava rigidamente a distribuição de textos e ferramentas Montessori, e até procurou patentear as suas pequenas variações de objetos familiares como blocos com letras ou um ábaco.

Claro que o que ela tentou controlar não era mais do que a sua própria propriedade intelectual. Por volta dos quarenta anos, à medida que as suas escolas proliferavam e a procura pela sua formação aumentava, Montessori demitiu-se do seu cargo na Universidade de Roma, na expectativa de se concentrar inteiramente no seu crescente movimento educativo. “A partir de agora”, escreveu Kramer, “ela sustentar-se-ia a si e aos seus dependentes com os rendimentos dos seus cursos de formação e os royalties dos seus livros e materiais didáticos, uma situação que conferiu às suas actividades um certo aspecto comercial que não teriam se ela tivesse continuado a ser uma académica assalariada que expunha as suas ideias no meio académico.” Por outras palavras, o incentivo financeiro tornava mais provável que o projecto de Montessori – um casamento entre o altruísmo e a investigação científica, nascido em asilos e bairros degradados – se tornasse transacional e exclusivo. A sua crescente fama, entretanto, ditava o seu afastamento dos laboratórios pedagógicos das escolas de bairros pobres e a entrada nas salas de estar dos seus mecenas da elite. O método Montessori dirigiu-se de forma desproporcionada a crianças brancas e ricas, tal como todas as coisas boas, mas foi também assim porque Montessori via cada vez mais o seu projecto como “um negócio patenteável”, usando as palavras de Kramer. O método não era apenas algo para ser ensinado; era algo para ser vendido.

Vendê-lo envolvia não só uma visão idealizada da criança mas também uma expectativa idealizada do ambiente em que uma criança deveria ser educada. Católica devota, mas anticlerical, Montessori lamentou a visão de que a sua pedagogia moldava a criança de acordo com as preferências da sociedade, em vez de criar caminhos para “as próprias forças das crianças, a si concedidas pelo Criador”, emergirem. “Nestas manifestações prodigiosas da alma da criança, muita coisa foi vista como produto de um método educativo”, escreveu. “O que passou para as escolas comuns foi uma forma mais livre de estudar e de dar tarefas individuais e objectivas. O ‘milagre’ foi oficialmente esquecido.” O efeito trickle down (em que se espera que os benefícios conseguidos pelos mais privilegiados acabem por se multiplicar e ser vantajosos para toda a população) que Montessori descreveu seria talvez inevitável para um modelo educativo com uma barra tão alta no acesso à formação, materiais e financiamento – mas este facto foi obra sua. O seu desprezo era pelas “escolas comuns” em si, claro, e não pelos alunos; mas, mais uma vez, o desprezo é estrutural.

O desprezo também pode parecer-se com filantropia. Em 2018, Jeff Bezos, o antigo aluno Montessori mais rico do mundo, anunciou a doação de dois mil milhões de dólares ao seu “One Day Fund”, dedicado, em parte, à criação de “uma rede de escolas pré-primárias inspiradas em Montessori, de alta qualidade e com bolsas de estudo integrais”. O projeto abriu cinco escolas em Washington desde 2020, com planos de expansão para a Flórida e Texas este ano.

A promessa de Bezos levou alguns especialistas em educação infantil, incluindo Mira Debs, de Yale, e Joel Ryan, diretor executivo do programa Head Start de Washington, a perguntarem por que motivo um homem com uma riqueza avaliada em duzentos mil milhões de dólares teria optado por competir com programas pré-escolares públicos existentes e com falta de recursos, em vez de simplesmente os financiar. A resposta pode ser encontrada no site do One Day Fund, onde se afirma: “O conjunto de clientes que esta equipa de missionários servirá é simples: crianças em comunidades carenciadas por todo o país”. Há todo um novo horror distópico nesta promessa – evoca uma imagem de professores de pré-escolar “quase-jesuítas” a caminharem descalços e desidratados ao longo de quilómetros dentro de um armazém da Amazon, à procura de um quadro de contagem de cem peças, enquanto, noutro local, uma criança espera ansiosamente atrás do seu videoporteiro, desejosa para “Classificar a Sua Experiência”.

No entanto, não há nada de novo neste exercício de pintar o capitalismo com uma espécie de vocação religiosa. Na verdade, Bezos parece ser o típico comentador americano, que vê os professores pela mesma lente que vê um trabalhador da Amazon: invisíveis, essenciais, marginalizados, à mercê das avaliações, pessoas das quais tudo depende e que de tudo podem ser culpadas. O retrato que Bezos faz da pedagogia centrada na criança como uma espécie de serviço ao cliente talvez tenha sido também previsto pela sempre profética Montessori “Nós, professores, só podemos ajudar o trabalho em curso”, escreveu ela, “como servos à espera de um mestre”.

Notas

1 A Sea Org (“Organização do Mar”) é uma ordem religiosa da Cientologia cujos membros dedicam a sua vida ao serviço voluntário em prol da religião. A Sea Org é conhecida por exigir um juramento de serviço simbólico de mil milhões de anos. Source: Wikipedia

2  Ortofrenia é definido como “Arte de corrigir as tendências morais ou intelectuais.” Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

3 Tradução da expressão “school-to-prison pipeline”, um termo adotado nos EUA para designar as políticas e práticas que incentivam o abandono escolar, dessa forma reduzindo as oportunidades de crianças e jovens vulneráveis e encaminhando-as para o sistema de justiça criminal; Fonte: ACLU

4 Nos EUA, a “Common Core State Standards Initiative” é um programa que procura uniformizar os objetivos de aprendizagem no país nas disciplinas de Inglês e Matemática. Fonte: Common Core State Standards Initiative

Beyond the hype: building LLM applications for production

It’s been nearly four months since we launched the first LLM-based feature in Talkdesk: call summarization. An evident first candidate given the relatively simple nature of the use case and the expected impact on agent productivity. While beta testing this new feature with a few selected customers, we moved on to a few other use cases, namely topic extraction, to provide the customer with a list of topics discussed in their calls or chats; and question answering, to support agents handling customer queries.

Many other use cases are already lined up, from automated agent evaluation to message writing helpers. But as a product manager’s mind navigates the sea of possibilities, it’s also important to take a step back and think about the lessons we’re learning along the way.

The ambiguity trap – how users write instructions

I’ve seen many posts arguing that LLMs will revolutionize user experience for the better. With users being able to express their intent using their own language, we can eliminate the learning curve when interacting with an application. I understand this claim, but I think it is somehow naive to think that people are able to always express themselves clearly and concisely. Just think of how many times you, as a human, have received instructions from other humans that were unclear or incomplete. As I read in another post about the challenges of LLMs – just doing what someone asks for isn’t always the right thing. Designing interfaces where user input is in natural language may increase accessibility, but will likely reduce the quality of the output, therefore increasing frustration.

We’ve seen this happen with one particular tool that we made available, where users can instruct the system to generate model training phrases for them by describing a specific user intent in text. This used to be a daunting manual task, so automation is welcomed. However, past the initial excitement, some users started asking the hard questions: what are the best practices to instruct the model for phrase generation? What sort of information needs to be included in the description? Ambiguity generates anxiety, and we don’t want to transform users into prompt engineers. Interacting with a clean UI with affordance can have much lower cognitive load than writing a thorough description of the outcome you’re looking for. This article by Davis Treybig is great and describes all of these design challenges in detail.

The ambiguity trap II  – how LLMs respond to instructions

Downstream applications relying on LLMs expect outputs that conform to a particular structure for effective parsing. While we can tailor our prompts to explicitly outline the desired output format, this is never guaranteed. We are seeing this with question answering. We prompt the model not to return an answer when it isn’t sure of one, but as a prolific chatter, sometimes it will still respond with an “I don’t know” type of answer. How do we deal with this in the UI? The application’s frontend is not able to tell the difference between this answer and a “valid” one, with meaningful content.

Despite this being a nuisance, to someone using a helper tool there’s one thing that is worse than not getting an answer, which is getting a wrong one. This is not a new problem as poor search engines can also produce noisy, non-relevant results with high confidence. But dealing with hallucination is a whole different challenge. Conservative prompt engineering can be effective at tackling this problem, but in the end we can never be 100% sure that the model will comply with instructions.

It’s still unclear to me how we can deal with the lack of predictability. For now, the only feasible option seems to be through prompt engineering. We need to make it a systematic task, with version control – essentially yet another function that needs to be integrated in the product development lifecycle. 

Working with context is hard

Building a question answering solution for business requires informing the LLM of the knowledge context of each customer. Answers need to be strictly based on company vetted data. However, LLMs have context windows, that is, they limit the amount of tokens the model can access when generating responses. Some businesses can have hundreds of thousands of documents with relevant information. We use embeddings to measure content relatedness and select the correct data snippets – ultimately, the success of this operation will dictate the overall success of the feature. It’s just good old search – if that doesn’t work, LLMs won’t save you when it comes to knowledge retrieval.

Cost estimation: mission impossible

The more context you give the model, the better the performance – or at least that’s what we hope for. However, this will also increase latency… and costs – OpenAI charges for both input and output tokens. If we factor in the “natural” output unpredictability, customer variations when it comes to context and constant prompt improvements, making a sound prediction is a difficult task. Also, the LLM world is moving so fast that any prediction is bound to become outdated quickly – hopefully the trend is for cost to continue to go down as competition grows.

Conclusion

“It was the best of times, it was the worst of times” – said Dickens on LLMs. 

It’s impossible not to be excited with the quantum leap of conversational abilities by machines. You can have so much fun experimenting with it, and demos can be mind blowing. However if an incredible demo isn’t followed by actual usage – and more, by a productivity gain (or at least, a super pleasant user experience) – the result will sooner or later be churn. And the market seems to be moving fast from the initial excitement phase to converge in a handful of low risk use cases, particularly in the B2B space – as with any other new tech. Some people will argue that we cannot afford to be conservative – I argue that we cannot afford to ship products that will not solve the customer’s job. Be bold, but learn fast! 

Bismarckian Product Management

At first glance, it might be hard to draw parallels between modern product management and German reunification. But I’m a product manager with an International Relations background, so that’s what you’ll get. 

Otto von Bismarck, the diplomatic mastermind behind the reunification feat, is famously credited with the quote Politics is the art of the possible. It reflects his pragmatic approach to governing and his understanding that compromise is the key to success. He’s one of the most influential figures of European history not because he wanted to change the world, but because he focused on achieving practical and attainable goals in a complex environment; not because he fought against constraints, but because he knew and accepted them. 

Perhaps you can already see where this is going. The world of tech is full of idealistic aspirations, particularly in moments of disruption such as the one we’re experiencing with AI and Large Language Models. But at the end of the day, as we sit back and marvel at technological progress, product management too is the art of the possible. The reason we exist as professionals is because there is a need to establish a complex balance between existing resources, market conditions and customer needs. It’s not an armed revolution – it’s realpolitik in favor of the customer’s interest, a constant search for the best feasible solution within existing constraints.

Idealizing an innovative product takes creativity. Idealizing an innovative product that people need and love takes cognitive empathy. Actually delivering it takes all of this plus a healthy dose of pragmatism. To me, great product leaders stand at this intersection of skills. This might exclude some of our most famous dreamers, but includes many distinguished unknowns who make our lives better everyday by delivering progress in small but significant increments.

Put the “V” in MVP

One of the most painful things to witness in the tech industry is the constant misinterpretation, or even distortion, of Agile or Lean concepts, and Minimum Viable Product (MVP) is a blatant example.

Eric Ries described it as “[the] version of a new product which allows a team to collect the maximum amount of validated learning about customers with the least effort”. Notice that the description starts with its purpose – however this is commonly disregarded by product makers who just focus on the effort aspect. The concept, which reflects a more than reasonable concern with waste, is used to justify poor design decisions, insufficient resource allocation and an overall lack of vision and strategy. 

Context is key: from Ries’ description, it seems that this is a strategy to validate market fit, and I would argue that it is particularly useful when there is a high degree of innovation involved. Nevertheless I’ve seen it being used countless times to describe long standing backlog items – often in supposedly mature products – that aim to solve validated customer needs.

“Let’s just make an MVP” normally means “we have loads of stuff to do and we can’t prioritize properly or negotiate commitments, so let’s just make a poor man’s version of this solution”. User experience is the first victim – it just needs to work, it doesn’t matter if you need 10 consultants just to plug it in, or if customers are constantly raising support tickets because they don’t know how to operate it. Reliability is second – not to mention security.

Where is the viability in this? 

Imagine if the folks in the Toyota factory back in the 40s did the same – to save time, they would start shipping cars that were unreliable, unsafe, and that no one knew how to drive. Would this be considered a major success in efficiency? Or would it hurt their credibility to death?

Trapped in a chamber: sprint review vs reality

Nothing beats the feeling of presenting a brand new, beautiful and functional user interface for the first time – except for the realization that there is no plan to actually make it available for real users.

Tech companies adopted Scrum as a way to deliver on the Agile promise of fast, incremental value. There is a clear product goal that everyone in the team strives to accomplish during the designated sprint time. When working software is delivered frequently, everyone is happy. The sprint review is a success story, progress is praised, people engage in self-congratulating behavior that keeps morale high. It feels like being in a cozy room with padded walls covered in golden glitter – we did it folks, it works! 

But who is paying for the golden walls? The first sentence of the Agile manifesto contains the answer – our highest priority is to satisfy the customer. However, on many occasions, our beautiful working software is not actually available to those who can take advantage of it for purposes other than self-gratification, for multiple reasons:

  • It’s shielded by a complex provisioning layer that requires the intervention of professional services teams
  • It lacks discoverability, meaning that although users have access to it, they will never find it (unless someone guides them)
  • It replaces another existing product or feature and there is no migration plan
  • It’s not scalable to the point that you can actually roll it out to a user base that is large enough to provide relevant feedback
  • More generally, it lacks 3 out of the 4 marketing Ps – the product works, but there is no price (how does it fit our pricing strategy?), no promotion (how is it going to be communicated?) and no place (how is going to be distributed among consumers – or users)

For some reason, this is rarely a cause of concern for scrum team members – and I am not just referring to product owners (or product managers, considered a broader function), although that sort of attitude is even harder to process when coming from folks in those roles. 

Is it because we think this is always someone else’s responsibility? Are we afraid to break the glass into the outside world, where people (aka customers) are not always super nice and friendly? Do we actually enjoy building products in a vacuum? So many questions, so little time.

Then there comes a time when the golden, padded walls start to crumble. Everyone starts to realize that there is no actual adoption, developers complain to their managers about the lack of transparency and usage data. 

When management decides to shield teams from the brutality of early stage feedback and adoption numbers, they are only buying motivation for the short term. Eventually people will start questioning why the hell are they committing to deliver something within two or three weeks if real users will only be able to get their hands on the prize in half a year or more (assuming things won’t be ditched before they even get to that stage, due to strategy shifts). So let’s be honest, as this is the only way to build trust. And let’s work together to bridge the gap.

A natureza da dor

Depois, disse à mulher:

«Aumentarei os sofrimentos da tua gravidez,

entre dores darás à luz os filhos.

Procurarás apaixonadamente o teu marido,

mas ele te dominará.»

Genesis, 3:16

Passaram vinte dias desde que a Alice nasceu.

A irmã, Inês, nasceu no fatídico mês de março de 2020, quatro dias antes do primeiro decreto de estado de emergência. Nos meses anteriores, nas aulas de preparação para o parto, ouvi vezes muitas vezes que a natureza é perfeita. Talvez por real convicção, talvez como forma de tranquilizar o grupo, a senhora enfermeira tinha como missão encorajar-nos a abraçar o processo da forma mais natural possível. Afinal, nem sempre havia dor, e se havia, ela não era por acaso. Para além disso, o prazer e o amor libertam-nos – e somos nós, as mulheres, quem assume o controlo de toda a química – ocitocina, prostaglandina, adrenalina – a nossa força feminina primitiva aperfeiçoa o cocktail e dispensa qualquer intervenção.

Valeu de pouco esta doutrina, embrulhada numa capa frágil de empoderamento (porque ter poder é, na verdade, poder escolher), à mulher de vinte e nove anos encostada a um canto da sala de recobro, sozinha, em hipotermia, após uma cesariana de emergência. O útero começou a contrair dois dias antes, mas a natureza não foi capaz de produzir muito mais para além da dor. O problema é conhecido – desproporção cefalopélvica – a cabeça de um recém-nascido é, em média, dois centímetros mais larga do que o canal de parto. Escreveu Bill Bryson:

Se alguma vez houve um evento que contraria o conceito de desígnio inteligente, é o ato do parto. Nenhuma mulher, por mais devota que seja, alguma vez disse enquanto dava à luz, “Obrigado, meu Deus, por este processo tão bem pensado.”

Bill Bryson, O Corpo: um guia para ocupantes

Não há, portanto, amor que valha a estes dois centímetros. Ele só chega depois do alívio, e chega com tamanha força que nos turva a memória. Por isso, dois anos e meio depois, entro novamente na sala de parto. A velocidade do processo, desta vez, foi literalmente estonteante. A “hora curta” não deu tempo à anestesia, o que fez com que parecesse um dia. O Prémio Nobel da Literatura vai para quem conseguir descrever a dor – apenas posso falar da vontade de desmaiar, da sensação de fraqueza e de impotência, muito contrária ao vigor feminino quase místico que deveria, supostamente, surgir. E quanto aos dois centímetros, foram resolvidos por um engenho humano um pouco arcaico chamado episiotomia. Mais uma vez, onde estava a perfeição da natureza quando foi precisa?

Merit is contextual

Sounds like an odd topic to come mind when you’re tidying up the kitchen, but our brains have curious ways of transforming what should be a simple daily task into a life reflection.

I was doing the dishes and getting this common feeling of never being able to achieve the level of domestic order I need to feel at ease. There’s always something that is not quite right – some breadcrumbs on the floor, a plant that hasn’t been watered, a stain on a towel. And then I questioned myself: why do I constantly feel this way? I immediately found a culprit: my mother.

How can someone have such an impeccable discipline when it comes to keep things in order, whilst caring for an entire family and working forty hours a week? She definitely set the bar too high – she still does. Born in 60s Portugal in a very rural suburb, in a house without running water, as a child she used to take penicillin shots at the grocer’s to cure her throat infections, as accessible healthcare was non-existent. She suffered from anxiety and panic attacks in a world where you were simply not allowed to. And it was anxiety that ultimately drove her away from school while still a teenager. She naturally became a caretaker: raised two kids, cared for all four of my grandparents while they were sick (cancer, Alzheimer’s, and more), worked as a cleaner in a school.

This is not supposed to be one of those misery tales you get to see on daytime TV, which accomplish the feat of actually being demeaning to the people they are supposed to praise. We’re talking about a happy family, with food on the table. However I do get this story popping out of the back of my head whenever I read about merit and about how it needs properly compensated. Merit is often seen as a synonym to academic success, climbing the company ladder, or simply making a whole lot of money.

But here’s the catch: merit is contextual. It doesn’t look the same for everyone, so you can’t create a general rule of thumb to compensate it. If your parents already made decent money, then perhaps making even more is not a great measure of your own success (sorry to break it to you like this but you don’t have to be a genius to get return on capital). Overcoming your own struggles and still being able to make progress and contribute to society – that is merit. Contributions can be simple: raise decent children, take care of the elderly, protect nature, and pay your fair share of tax to try to raise others out of poverty. If you’re able to do this and still send a rocket ship to the moon, you are (quite literally) out of this world. Most of us are still here, figuring out how to keep our kitchens clean.

Conviver com o Coronavírus [tradução]

Tradução do artigo original da revista The New Yorker, publicado a 21 de Julho de 2021. De Katherine S. Xue.

É muito provável que COVID-19 se torne endémica. De que forma é que o nosso sistema imunitário pode combatê-la?

Foi na Primavera de 1846 que o médico holandês Peter Ludwig Panum chegou às ilhas Faroe, uma cadeia vulcânica situada cerca de duzentas milhas a noroeste da Escócia. Encontrou um cenário de condições extremas, um clima impiedoso. Os oito mil habitantes das ilhas, súbditos da coroa dinamarquesa à época, passavam a maior parte do seu tempo no exterior a pescar e a pastar ovelhas, fustigados por fortes ventos vindos do mar. Tais condições não eram propriamente favoráveis a um “prolongamento da vida dos habitantes” da ilha, escreveu Panum. No entanto, apesar da escassez de cuidados médicos e de uma dieta de carne seca e por vezes rançosa, a esperança média de vida de um faroês situava-se nos 45 anos – ou seja, igualava ou superava a da Dinamarca continental. Os ilhéus beneficiavam de uma quase total ausência de doenças infeciosas; muitas doenças, incluindo a varíola e a escarlatina, raramente lá chegavam. Panum estava na ilha para estudar uma epidemia de sarampo – o primeiro surto do vírus nas ilhas Faroe num período de 65 anos.

De uma forma geral, o surto foi devastador e previsível. Em cerca de seis meses, mais de três quartos da população foi infetada, e cerca de cem pessoas morreram. Tratou-se de um surto pouco habitual, por vários motivos. Na Europa continental o sarampo era habitual nas crianças, mas poucas crianças faroesas morreram no surto. Foram os adultos que sofreram as maiores consequências. A taxa de mortalidade aumentava com a idade até aos 65 anos, e a partir daí baixava. Percebeu-se, então, que tal se devia ao facto de alguns dos habitantes mais velhos já terem sido infetados na epidemia anterior, em 1781, e estarem ainda protegidos pela imunidade adquirida décadas antes. Dentro deste grupo de “pessoas idosas”, escreveu Panum, “nem um, de acordo com o que a investigação pode apurar, foi atacado pela segunda vez.”

A investigação de Panum continua a constituir, nos dias de hoje, uma demonstração cabal de um facto assinalável: o corpo tem memória. Aprende a reconhecer os patogenos que encontra e, em alguns casos, conserva essa memória durante décadas, ou mesmo durante toda a vida. Mesmo as civilizações antigas já conheciam a memória imunitária muito antes de a conseguirem compreender; Tucídides, no seu relato da peste de Atenas, escreveu que “o mesmo homem nunca era atacado duas vezes – pelo menos não fatalmente”. Muitos de nós construímos a nossa perceção sobre o sistema imunitário com base em histórias como esta. Vemos a imunidade como um estado binário: sem ela, somos vulneráveis; com ela, estamos seguros.

No entanto, para muitos agentes patogénicos – incluindo os coronavírus – a imunidade funciona de uma forma mais complexa. A família coronavírus inclui o SARS-CoV-2, o vírus responsável pela COVID-19, assim como outros quatro coronavírus sazonais – HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoV-HKU1 e HCoV-NL63 – que em conjunto provocam entre 10-30% das constipações comuns. Atualmente, estes coronavírus sazonais são a causa de infeções comuns na infância, tal como o sarampo era no tempo de Panum. Contrariamente ao que acontece com o sarampo, é habitual os adultos serem re-infetados pelos coronavírus regularmente, entre intervalos de poucos anos.

Muito daquilo que sabemos sobre estas re-infeções tem origem na Common Cold Unit, um programa de investigação britânico cujos estudos sobre a transmissão e tratamento de vírus envolveram mais de oito mil voluntários humanos ao longo de quarenta e quatro anos. Num dos seus últimos estudos, publicado em 1990, catorze voluntários saudáveis foram expostos ao coronavírus sazonal 229E por via nasal. Um ano depois voltaram para receber uma segunda dose idêntica à primeira. Das nove pessoas que foram infetadas da primeira vez, seis voltaram a contrair a infeção à segunda exposição. Os cinco voluntários que escaparam ao vírus da primeira vez também foram infetados na segunda. A quantidade de re-infeções pode parecer alarmante, mas os voluntários re-infetados demonstraram menos sintomas e menor probabilidade de transmissão a terceiros. Não eram completamente imunes, mas retiveram alguma imunidade – suficientemente baixa para permitir a re-infeção, mas suficientemente forte para diminuir a potência do vírus.

Este retrato nebuloso da imunidade aos coronavírus vai marcar o nosso futuro à medida que procuramos controlar a COVID-19 nos EUA. É hoje possível afirmar que pelo menos 160 milhões de americanos adquiriram alguma forma de imunidade, seja por ter contraído o vírus, por terem sido vacinados, ou ambos. Ainda assim, é provável que o vírus tenha vindo para ficar. “Pessoalmente considero que não há qualquer hipótese de o SARS-CoV-2 ser erradicado,” – é o que considera Jesse Bloom, virologista no Fred Hutchinson Cancer Research Center. (O professor Bloom acompanhou a minha investigação relativa à evolução da gripe.) A maioria dos vírus, incluindo os quatro coronavírus sazonais, outros vírus que provocam constipações e o vírus da gripe, não foram erradicados; os cientistas consideram-nos “endémicos”, um termo que deriva da palavra grega éndēmos, que significa “nas pessoas”. Os vírus endémicos estão constantemente em circulação, tipicamente em níveis baixos mas com surtos ocasionais de maior gravidade. Como sociedade, não combatemos estes vírus com quarentenas e ordens de recolhimento; vivemos com eles.

Como será viver com o SARS-CoV-2 endémico? A resposta a esta questão vai depender largamente da força das nossas memórias imunológicas. De que forma é que o nosso corpo vai recordar o vírus ou a vacina? De que forma é que o declínio da imunidade e o crescimento de novas variantes irão afetar a nossa vulnerabilidade à re-infeção? Começamos a saber a resposta para algumas destas perguntas, e a perceber o que se poderá passar nos próximos anos.

No dia 13 de maio de 2020, um navio de pesca deixou a cidade de Seattle. Antes de embarcar, os vinte e dois membros da tripulação realizaram o teste de diagnóstico do coronavírus e o teste de anticorpos, que indica a existência de infeção anterior. Três tripulantes testaram positivo para anticorpos antes da partida; todos testaram negativo no diagnóstico do vírus. No entanto, em alto mar, um dos membros da tripulação adoeceu e testou positivo. Um navio no mar é uma ilha, e naturalmente o vírus espalhou-se rapidamente. Quando voltou à costa ao fim de dezoito dias de viagem, cento e três tripulantes testaram positivo. E, no entanto, nenhum dos três tripulantes que tinham mostrado anticorpos antes de embarcar foram infetados pela segunda vez. Em outubro de 2020, quando estes resultados foram reportados no Journal of Clinical Microbiology, não era claro que os anticorpos gerados numa primeira infeção pudessem proteger relativamente a uma segunda. O navio voltou com notícias encorajadoras.

Os anticorpos nem sempre são a primeira linha das nossas defesas. Quando as nossas células encontram um novo vírus respondem, em primeira instância, recorrendo ao chamado sistema imunitário “inato”, que ataca o início da infeção de forma rápida, antes que esta evolua e fique fora de controlo. A resposta inicial não é específica; na maior parte dos casos, ela é a mesma independentemente do agente patogénico, independentemente de ser novo ou já conhecido. Apenas alguns dias depois é que entra em ação o sistema imunitário “adaptativo”, que contém a memória imunológica. Parte desse trabalho envolve células B, responsáveis pela produção de anticorpos. O nosso corpo produz milhões de células B, sendo que cada uma delas é regulada, de forma mais ou menos aleatória, para produzir um tipo diferente de anticorpos; estes anticorpos são tão diversos que um deles irá inevitavelmente corresponder ao agente patogénico que provoca a infeção. Durante a infeção, as células B adequadas para o combate ao novo invasor recebem sinal para se multiplicarem. Os anticorpos que produzem circulam na corrente sanguínea, acoplam-se a partículas do vírus e inativam-nas.

O estudo do navio de pesca confirmou que a resposta dos anticorpos gerados numa primeira exposição ao SARS-CoV-2 é capaz de proteger contra infeções subsequentes durante um determinado período de tempo. A memória imunitária estabeleceu-se. “As células B irão, em muitos casos, persistir para o resto da vida e continuar a produzir anticorpos de forma a que o corpo se lembre daquilo a que foi exposto no passado” afirma Bloom, um dos autores do estudo. Acontece que existem vários graus de memória imunitária. Os anticorpos produzidos contra determinados vírus, tais como o do sarampo, da parotidite (papeira), da rubéola e da varíola, persistem de forma extraordinariamente estável durante várias décadas; é por causa dessa persistência que as “pessoas idosas” do estudo de Panum conseguiram resistir à doença tantos anos depois de terem sido infetados. Mas nem todas as respostas por anticorpos são tão duradouras. Em 2007 foi publicado um estudo relativo aos trabalhadores do Oregon National Primate Research Center (Centro Nacional de Investigação de Primatas do Oregon). Estes profissionais realizavam análises regularmente para verificar a sua exposição a doenças provenientes dos animais. Os investigadores descobriram que os níveis de alguns dos seus anticorpos permaneciam altos ao longo do tempo, mas os de outros decresciam. Os anticorpos contra o tétano e a difteria, duas toxinas bacterianas, caíram para metade dos seus níveis iniciais num período de dez a vinte anos.

A erosão gradual dos níveis de anticorpos no sangue pode diminuir a proteção e tornar-nos vulneráveis à re-infeção. Ainda não sabemos ao certo quanto tempo durará a resposta dos nossos anticorpos ao SARS-CoV-2. “A longo prazo, será que os anticorpos permanecem num patamar estável, que persiste durante toda a vida, ou seguem uma trajectória descendente?” questiona Bloom. Em relação ao SARS-CoV-2, especificamente, é demasiado cedo para responder a esta questão. De qualquer das formas, estudos prolongados sobre outros vírus da mesma família (os que provocam a SARS e a MERS), indicam que o nível de anticorpos diminui de forma significativa dois a três anos após a infeção. É possível que o mesmo aconteça com os anticorpos da COVID.

Declínio e desaparecimento são coisas diferentes. Mesmo que o nível de anticorpos baixe depois de atingir o pico após a infeção, continua a ser suficientemente alto para prevenir que a exposição viral se transforme em infeção, ou que a infeção progrida para doença grave. A bordo do navio de pesca, dois dos três tripulantes protegidos apresentavam níveis limitados de anticorpos. Ainda assim, o vírus não os afetou.

A memória imunitária não está apenas inscrita nos anticorpos. “Existe um conjunto de células de memória que estão à espera de serem reativadas”, relata Marion Pepper, imunologista na Universidade de Washington. Para além das células B (que produzem anticorpos), também temos células T – combatentes aguerridas, capazes de destruir até células do próprio corpo quando estas estão infetadas por um vírus. Tal como os anticorpos, a quantidade de células T vai diminuindo ao longo do tempo. No entanto, ambos iniciam o seu trabalho de forma mais rápida quando se trata de uma re-infeção. “Quando o corpo vê um vírus pela primeira vez, a resposta adaptativa demora entre cinco a sete dias”, explica Pepper. “Mas quando o vê novamente, a resposta pode demorar apenas duas a quatro horas”.

No Verão do ano passado, Pepper liderou um estudo sobre a imunidade de quinze voluntários que tinham sido infetados com COVID-19 três meses antes e desenvolvido sintomas ligeiros. Os investigadores procuraram anticorpos, mas também as ditas células de “memória”, dos tipos B e T – guardas atentos que vivem nos nossos tecidos e na corrente sanguínea, e que monitorizam o reaparecimento de agentes patogénicos específicos. Quando estas células reconhecem um velho inimigo, fazem soar o alarme, acelerando a multiplicação de células B e T específicas para aquele agente. De acordo com Pepper, as células de memória funcionam como “pequenas agulhas num palheiro”, mas mesmo assim os investigadores conseguiram encontrar algumas que eram específicas para o coronavírus, e isto ainda que os voluntários apenas tivessem manifestado sintomas ligeiros. “Tenho muita confiança no sistema imunitário”, afirma Pepper.

As várias camadas do sistema imunitário funcionam em conjunto para fortalecer a sua própria memória. Mas os vírus não são estáticos. À medida que acumulam mutações, a sua forma altera-se, e tornam-se cada vez mais difíceis de reconhecer. Os sobreviventes da pandemia da gripe espanhola de 1918 mantiveram um alto nível de anticorpos contra o vírus durante praticamente noventa anos. Mas isso não impede indivíduos adultos de contraírem o vírus da gripe aproximadamente de cinco em cinco anos – isto porque a evolução rápida do vírus da gripe garante que a cada ano existem variantes diferentes. Em média, os vírus responsáveis pela gripe sofrem seis mutações todos os anos, sendo que muitas delas alteram as proteínas que permitem a entrada e saída nas células hospedeiras. Assim, anticorpos que antes se ligavam com facilidade a um vírus deixam de ter essa capacidade na sua forma mais evoluída; o vírus pode conseguir passar despercebido a determinadas células T que antes conseguiam reconhecê-lo.

“A mesma pergunta pode ser feita em relação aos coronavírus”, diz Bloom. “Qual o papel das mudanças do vírus na sua capacidade de nos re-infetar?”. Existe cada vez mais evidência científica que sugere que a evolução viral nos torna mais vulneráveis à re-infeção por coronavírus. Investigadores do laboratório de Bloom analisaram recentemente amostras de sangue recolhidas nos anos 80 e 90; estas amostras continham anticorpos da versão sazonal do coronavírus 229E que circulava à época. Estes mesmos anticorpos falharam o reconhecimento dos descendentes do vírus que se desenvolveram entretanto. As mutações nos coronavírus acontecem de forma mais lenta do que as de outros vírus como por exemplo o HIV ou a gripe mas, no decorrer de uma ou duas décadas, podem alterar-se o suficiente para conseguir escapar à nossa memória imunitária.

Atualmente debatemo-nos com múltiplas variantes do coronavírus que são mais transmissíveis – e possivelmente mais letais – do que a estirpe original do SARS-CoV-2. Os anticorpos criados em resposta ao vírus inicial ou às vacinas atuais não são tão eficazes contra algumas destas variantes, facilitando a re-infeção. O caso de Manaus, na Amazónia brasileira, deu motivos de preocupação aos investigadores. No início de 2020 o vírus espalhou-se pela cidade sem qualquer tipo de controlo; em outubro do mesmo ano, testes à população revelaram que praticamente metade dos habitantes da cidade tinham anticorpos, o que levou vários cientistas a declarar que aquela região tinha atingido a imunidade de grupo. Mas em dezembro a cidade sofreu uma nova vaga, ainda mais grave do que a primeira, que provocou mais hospitalizações e mais mortes.

As causas desta segunda vaga foram alvo de muita especulação e, tal como quase tudo na pandemia, não têm uma explicação única. Parte da responsabilidade está no relaxamento das regras de distanciamento social durante o período de festas numa cidade que acreditava estar imune. Por outro lado, o estudo que calculou a prevalência de níveis altos de anticorpos poderá ter sobrestimado o alcance da infeção na população em geral. A variante P.1, ou Gamma, detetada pela primeira vez em Manaus no início de dezembro, também tem a sua quota parte de responsabilidade. Existe alguma evidência de que os anticorpos desenvolvidos em resposta ao coronavírus original conferem uma proteção mais fraca contra a variante Gamma; num estudo ainda não publicado, os cientistas estimam que, no final da segunda vaga, uma em cada seis infeções pela variante Gamma eram re-infeções. Em fevereiro a variante era já responsável por praticamente todos os casos na cidade, tendo conseguido espalhar-se rapidamente por todo o Brasil e estando já na origem de praticamente uma em cada dezasseis infeções nos EUA.

Variantes como a Gamma são preocupantes, e nas últimas semanas a variante Delta, mais contagiosa, foi responsável por surtos em regiões dos EUA com baixas taxas de vacinação. Mas, também em relação a estas variantes, a imunidade é algo gradual e não binário. Elas são em grande medida semelhantes ao vírus original. Muitas das defesas criadas pela vacinação ou por exposição ao vírus permanecem mesmo que este se altere. “Raramente se verifica que uma mutação destrua completamente a capacidade de os anticorpos reconhecerem o vírus”, afirma Scott Hensley, imunologista da Universidade da Pensilvânia. Até ao momento, estudos indicam que as vacinas da Pfizer, Moderna e Johnson&Johnson protegem contra as principais variantes do coronavírus, apesar de os anticorpos gerados serem ligeiramente menos eficazes no reconhecimento das suas formas mais avançadas. Uma mutação pode afetar a ligação de alguns anticorpos, enquanto outros continuam a fazer o seu trabalho. A imunidade das células T é ainda mais durável: enquanto os anticorpos se ligam à superfície das proteínas virais, as células T reconhecem pequenas peças destas proteínas apresentadas pelas células; estas peças, que habitualmente têm origem no interior do vírus, tendem a permanecer iguais mesmo quando a superfície mais maleável do vírus se altera. “Há muita redundância no sistema”, indica Pepper. Mesmo que as variantes consigam contornar uma parte das nossas defesas, podem ser apanhadas por outras. Entretanto, a comunidade avança nos ensaios clínicos relativos a reforços vacinais e à atualização das vacinas.

É possível que, a longo prazo, a nossa memória imunitária passe a funcionar contra o próprio corpo. Durante décadas os investigadores da gripe puderam observar que as respostas de anticorpos mais fortes foram demonstradas contra estirpes às quais os indivíduos foram expostos durante a infância. Este fenómeno, que os cientistas designam por “pecado antigénico original”, demonstra que as memórias imunológicas da infância têm uma influência continuada ao longo da vida. Os anticorpos que se formam num encontro inicial com o vírus continuam a responder a infeções e vacinações que acontecem décadas depois – mesmo depois de o vírus ter evoluído – o que torna o sistema imunitário menos eficiente na atualização da sua resposta. “A memória imunitária é despertada para combater antigénios que já lá não estão, refere Hensley. Estes anticorpos ineficazes podem impedir o sistema imunitário de atualizar a sua resposta; o sistema insiste em lutar contra o último inimigo. Num futuro distante, o pecado antigénico original pode moldar a resposta do nosso corpo ao SARS-CoV-2, tornando mais difícil a adaptação das nossas defesas a novas estirpes. É uma realidade impactante e séria: às vezes lembramo-nos tão bem que a própria memória se transforma numa espécie de ângulo morto.

Para já, é o ritmo da vacinação global que determina de forma mais marcante o nosso futuro a curto-prazo com a COVID. “O melhor que podemos fazer é vacinar o mundo da forma mais rápida possível para conseguir limitar a evolução viral”, conta Alex Greninger, virologista na Universidade de Washington. (Como investigadora, colaborei tanto com Hensley como com Greninger). Mais infeções conferem mais oportunidades de desenvolvimento do vírus, como verificamos no último ano em que as variantes se espalharam de forma rápida por todo o mundo, independentemente do local onde surgiram. A pandemia só terminará quando acabar para todos.

Immunitas, a palavra latina a partir da qual “imunidade” deriva, é um termo legal que era usado para descrever a isenção de impostos ou de jurisdição. Mas o mundo epidemiológico é mais confuso que o legal. Para descrever as complexidades deste sistema talvez fosse preferível usar o termo “resistência”, do verbo latino resistere, que significa “conter”. A resistência imunitária contém o vírus. Faz com que a exposição viral mais dificilmente se transforme numa infeção – assintomática ou não – ou em doença grave. As vacinas e as infeções, especialmente as infeções mais longas, tendem a construir a nossa resistência contra os patogenos. O tempo e as mutações virais erodem-na gradualmente. Quanto maior for a nossa resistência, maior será a tolerância à exposição viral sem desenvolvimento de doença. Quanto mais baixa, maior a probabilidade de ficarmos doentes.

Esta visão gradualista da imunidade é importante para entendermos as re-infeções por coronavírus. A primeira re-infeção detetada em todo o mundo aconteceu em agosto, num homem de 33 anos que viajou de Espanha para Hong Kong tendo testado positivo à chegada. Teria tido uma infeção com sintomas ligeiros cerca de 5 meses antes. Apenas teve sintomas durante alguns dias e não parecia ter desenvolvido anticorpos detectáveis após essa infeção. Ainda assim, o segundo episódio foi totalmente assintomático, e o vírus deixou de ser detectável ao longo de uma semana. “Este é um exemplo paradigmático de como a imunidade deve funcionar”, publicou a imunologista Akiko Iwasaki, da Universidade de Yale, no Twitter. “A imunidade não foi suficiente para impedir a re-infeção, mas protegeu a pessoa da doença”. Talvez a resposta inicial dos anticorpos tivesse sido demasiado fraca para impedir a re-infeção, mas outras camadas de imunidade mantiveram a situação controlada. Cinco dias após a segunda infeção, o paciente testou positivo para anticorpos COVID, o que sugere que a re-exposição fortaleceu a sua resposta.

Atualmente existem já estudos de larga escala que quantificam a frequência das re-infeções por coronavírus. Tal como sugeria a análise do navio de pesca, as taxas de re-infeção parecem ser baixas. Estudos realizados na Dinamarca e no Reino Unido revelam que mesmo vários meses depois de ter testado positivo para COVID-19, um indivíduo adulto tem cerca de menos 80% de probabilidade de ser infetado. Quando as re-infeções acontecem, são geralmente ligeiras ou assintomáticas. Mesmo que o vírus consiga entrar, a resistência é capaz de limitar os seus efeitos.

A mesma lógica é aplicável a infeções em indivíduos completamente vacinados. Embora a infeção aconteça, é muito mais provável que estes casos, tal como os de re-infeção, sejam leves ou assintomáticos. Cem milhões de americanos tinham já a vacinação completa nos primeiros quatro meses de 2021; entre eles, foram reportadas pelo C.D.C. cerca de dez mil infeções até ao final de abril. Apenas mil resultaram em hospitalizações; ou seja, apenas uma em cada 100 mil pessoas vacinadas foram hospitalizadas com COVID durante este período. Até ao momento não se pode dizer que estas infeções sejam desproporcionalmente provocadas pelas variantes que causam maior preocupação. Cerca de um quarto foram assintomáticas; é muito provável que esta estimativa esteja muito aquém da realidade, uma vez que muitos indivíduos vacinados podem nem sequer se ter apercebido da infeção.

Os relatos de re-infeções e infeções em pessoas vacinadas tendem a ser vistos, nos dias de hoje, como uma surpresa desagradável. No entanto, esta realidade vai tornar-se cada vez mais normal à medida que a fase aguda da pandemia vai passando. Apesar do espetacular sucesso das vacinas, não é provável que o vírus seja erradicado ou mesmo que sejamos capazes de atingir a imunidade de grupo; o vírus está demasiado espalhado e é demasiado transmissível para que tal aconteça. Ainda assim, a nossa relação com ele vai alterar-se profundamente. À medida que a nossa resistência imunitária coletiva aumenta, a COVID vai passar de ameaça pandémica a endémica. O vírus vai continuar a circular em níveis baixos, mas a sua disseminação será mais lenta, e a maioria das infeções será menos severa. O vírus irá infetar sobretudo crianças não vacinadas – que geralmente têm infeções assintomáticas e quase nunca desenvolvem sintomas graves – e vai causar infeções leves em adultos vacinados. Determinados grupos, nomeadamente pessoas idosas e imunossuprimidas, vão continuar a ter maior risco de complicações graves; os mais vulneráveis poderão morrer de COVID-19 da mesma forma que hoje morrem de gripe e pneumonia. Mas os riscos serão menores para indivíduos com alguma resistência imunitária. Para a maioria, a COVID será um inimigo conhecido, tal como a gripe – apenas mais um entre os perigos com os quais convivemos diariamente.

Esta visão de um futuro com COVID endémica traz ecos do passado. Desde o início do século XX ocorreram quatro pandemias de gripe; cada uma delas introduziu uma nova versão do vírus que continuou a circular durante décadas (as pandemias de 1968 e 2009 são responsáveis por estirpes de gripe sazonal que circulam atualmente). Os cientistas especulam que alguns dos vírus das constipações comuns também possam ter tido origem em pandemias do passado. Existe evidência indireta de que o coronavírus sazonal OC43 poderá ter tido origem na pandemia de 1889, que matou um milhão de pessoas em todo o mundo.

Num mundo com COVID endémica é possível que apanhemos o vírus, ou que sejamos vacinados em criança e depois precisemos de um reforço anual juntamente com a vacina da gripe. Vão existir épocas de COVID, tal como existem da gripe, durante o inverno; ao longo dos anos, à medida que se acumulam novas variantes, pode acontecer uma época particularmente má. É possível que apanhemos COVID com alguma regularidade e intervalos de poucos anos. Algumas vezes a doença será leve, vamos ter tosse e sentir cansaço durante um ou dois dias, tal como acontece com qualquer constipação; estes episódios vão fortalecer a nossa resistência imunitária. Ocasionalmente a infeção será mais grave. Por exemplo, se não tivermos sido vacinados nesse ano, ou se existir uma nova variante; ou talvez tenhamos estado expostos ao vírus de forma particularmente prolongada por termos convivido com um colega de trabalho ou amigo doente. Seja qual for o motivo, algumas infeções poderão ser capazes de nos deixar de cama durante uma semana ou até mais. À medida que envelhecemos e que o nosso sistema imunitário enfraquece, a probabilidade de termos complicações será maior, tal como acontece com a gripe. Os mais vulneráveis poderão optar por evitar viajar ou mesmo sair no pico de uma época de COVID – poderão até optar por usar uma máscara (talvez a pandemia nos inspire a usar máscara para evitar a gripe). O vírus vai permanecer connosco, mas a resistência imunitária alargada da comunidade irá moderar os seus efeitos mais nefastos.

A perspetiva de um futuro a longo-prazo com a COVID pode saber a desilusão. A varíola, o único vírus humano alguma vez erradicado, foi eliminado com sucesso em 1980 depois de uma longa campanha de vacinação; a erradicação global da poliomielite encontra-se na sua fase final. Nos Estados Unidos, a vacinação das crianças criou imunidade de grupo contra o sarampo e a parotidite (papeira), limitando-as a surtos ocasionais. Todos gostaríamos que o coronavírus se tornasse também ele parte da nossa memória histórica. No entanto, a memória imunitária nem sempre é durável, especialmente em relação a vírus que se modificam. O nosso corpo não irá lembrar-se perfeitamente da COVID, e por isso não o poderemos esquecer.

Three months in as a PM

Building up the confidence to change

They say it’s not the destination, it’s the journey. And whilst that is often not true for actual traveling (who loves a 12 hour flight?), it is definitely the way I like to look at my professional path, and this comes with a feeling of pride and a sensation of chaos.

I wrote before about being a generalist and how it is both wonderful and disturbing. When I started working in the SaaS industry 8 years ago as an account manager, I saw it as a good opportunity to be able to pay the tuition fees for my Master’s degree in Economics (I was writing a thesis on wine exports). Now I’m managing a product in a hyper-growth company. In the meantime I’ve lived in two different countries and learned a few lessons on leadership, mostly by failing at it. It’s been an interesting ride, only possible by constantly seeking discomfort and calculating risk. Unless you were born to be a risk-taker and/or have a really great safety net, striking a balance between these two factors is essential.

Being a young girl with a diploma from an Arts school, it’s hard to build up your confidence levels in a male-dominated industry where engineering talent is the market’s most valuable asset. To be honest, it’s hard to feel confident in any context. Also, when you finally get there, you have to face how other people struggle to deal with it. People tend to treat confidence as a personal trait, but like with any other skill, you can work to develop it. To me, the best way to train confidence is through learning, either horizontally (learning something completely new) or vertically (becoming really good at something you already know), but with a strong preference for the first option. There are a couple of things that help with that:

Being mentored by smart people

You can’t push for this – it’s a matter of luck. When I say smart I don’t necessarily mean booksmart (although – unpopular opinion these days – I find that helps), but someone who is capable of having a comprehensive world/market/company vision that is not tied to common biases and assumptions ranging from gender, age, education, family background (…) to your haircut and tone of voice. Someone who values your curiosity, your effort, your ability to organize thoughts and speech, who you feel comfortable talking to and learning from. I don’t like the expression role model as it doesn’t do a very good service to individuality, but someone who respects and protects your intellectual integrity. This is the only way you’ll feel safe asking questions.

Being open to learn autonomously

Indeed, asking questions may be the best way to learn and improve, but the first person you should be asking questions to is yourself. Research. Use technology to your advantage. Read. Try to come up with your own solution to the problem. And then go to others for validation – if you get it, you’ll feel incredible for having achieved that on your own. If you don’t, think about what needs to be done to improve that process for others: see if there’s a gap in an internal knowledge management platform that you can work on, if there’s some training that should have happened during onboarding. Turn your frustration into someone else’s accomplishment. Contribution makes everyone feel better.

Settling in

So the goal for me was to learn a new trade in a new company – switching from a leadership to an associate position – whilst working 100% remotely and raising a one-year-old in the midst of a pandemic.

This is fine mask | Google, Des trucs, Idée dessin

Here are some the key learnings so far:

Users are your source of truth, not the Jira board

If you’re looking for a source of truth about product status, don’t trust the Jira board or sprint reviews – trust users. I also learnt that it is possible to be constantly in touch with your customer and yet not know how the product performs in real usage scenarios. This happens because, in B2B particularly, the person who buys your software is not necessarily the same who’s going to use it.

I don’t think you need to eat your own dogfood. User research offers a variety of techniques that will bring you closer to product usage reality. Just don’t settle with second-hand feedback, as it can be deceiving.

Observe with empathy, react with reason

It’s normal to feel bad when you see something you helped build fail its purpose. And yet this is a very likely outcome of user research. Being able to feel more empathy towards users than pride over your own choices and team work is a lesson I learned the hard way while working in customer success, providing mission-critical software for large enterprise. Being proud of your tech doesn’t pay your salary – happy customers do.

The customer is not a moron, she’s your wife. If it’s not working for them, don’t patronize – save some time to try to get to the root of the problem and come up with a fix. The fix could be a minor tech improvement or a completely new product vision – embrace change without seeing it as a personal or even a corporate failure. However, I think proportionality is also key, because trying to reinvent the wheel every 2 weeks is not sustainable.

Gain access and control

I’d argue that while you don’t need to be your product’s heaviest user, it is a good idea to check the state of the art every time something is deployed to production, even if it’s not a major feature. It’s not a matter of not trusting the QA process – it’s just that there are always tiny interaction details that you missed in the design stage. Iterating over mockups makes me nervous.

I’d also like to add a comment about feature flags. They are great to guarantee smooth feature rollouts to customers, but I found it crucial to have direct control over them: as a PM, I need the flexibility to enable or disable features without disrupting the development cycle. I needed the freedom to decide when to beta test a feature with a customer, or just to enable stuff for testing in internal production accounts.

Don’t fall into the Scrum trap

Scrum provides a framework to organize product development, not product management. It doesn’t offer a lot of guidance when it comes to discovering new features, prioritizing, aligning those priorities with management, making sure your solutions are tightly integrated with the product’s ecosystem, communicating new features to your stakeholders, choosing the best methods for user research, … the list goes on. It’s easy to fall into the trap of organizing our work around ceremonies and ceremony preparation. I adhere to Agile principles but dread the ritualistic vibe it brings to team work. A framework (any framework) is supposed to make your job easier, not define it (this one goes out to all of you hiring product owners).

Build and communicate a vision

Another Agile trap, which I believe comes from a misinterpretation of its main principles, is that long-term planning and vision statements are no longer useful. Value is more easily delivered if you adopt short cycles and constant iteration. I don’t argue with this, but I do argue that this is not incompatible with having a long-term vision for a product. MVPs deliver value, but they don’t inspire people. Having that inspirational story to tell is helpful to gain internal alignment, to deliver marketing messaging, to motivate. A vision is not a one-time commitment – it’s a compass for everyday decisions and is constantly evolving.

Go for that swim

On a final note – I live by the beach in the north of Portugal, where sea temperatures range between 15-17ºC in summer months. It’s beautiful and cold. I stand for long minutes with my feet on the wet sand getting mentally ready to take a plunge. Then I look to the side and there’s a group of kids just playing around in the water, completely indifferent to the fact that it’s 20ºC below their body temperature. I feel silly and old. But I’m not, so I go for it.

The same goes for the job. I’m overly conscious of my limitations, and that frustrates me. But then I realise I’m just a kid, I can learn anything. So I just go for that swim.