Depois, disse à mulher:
«Aumentarei os sofrimentos da tua gravidez,
entre dores darás à luz os filhos.
Procurarás apaixonadamente o teu marido,
mas ele te dominará.»
Genesis, 3:16
Passaram vinte dias desde que a Alice nasceu.
A irmã, Inês, nasceu no fatídico mês de março de 2020, quatro dias antes do primeiro decreto de estado de emergência. Nos meses anteriores, nas aulas de preparação para o parto, ouvi vezes muitas vezes que a natureza é perfeita. Talvez por real convicção, talvez como forma de tranquilizar o grupo, a senhora enfermeira tinha como missão encorajar-nos a abraçar o processo da forma mais natural possível. Afinal, nem sempre havia dor, e se havia, ela não era por acaso. Para além disso, o prazer e o amor libertam-nos – e somos nós, as mulheres, quem assume o controlo de toda a química – ocitocina, prostaglandina, adrenalina – a nossa força feminina primitiva aperfeiçoa o cocktail e dispensa qualquer intervenção.
Valeu de pouco esta doutrina, embrulhada numa capa frágil de empoderamento (porque ter poder é, na verdade, poder escolher), à mulher de vinte e nove anos encostada a um canto da sala de recobro, sozinha, em hipotermia, após uma cesariana de emergência. O útero começou a contrair dois dias antes, mas a natureza não foi capaz de produzir muito mais para além da dor. O problema é conhecido – desproporção cefalopélvica – a cabeça de um recém-nascido é, em média, dois centímetros mais larga do que o canal de parto. Escreveu Bill Bryson:
Se alguma vez houve um evento que contraria o conceito de desígnio inteligente, é o ato do parto. Nenhuma mulher, por mais devota que seja, alguma vez disse enquanto dava à luz, “Obrigado, meu Deus, por este processo tão bem pensado.”
Bill Bryson, O Corpo: um guia para ocupantes
Não há, portanto, amor que valha a estes dois centímetros. Ele só chega depois do alívio, e chega com tamanha força que nos turva a memória. Por isso, dois anos e meio depois, entro novamente na sala de parto. A velocidade do processo, desta vez, foi literalmente estonteante. A “hora curta” não deu tempo à anestesia, o que fez com que parecesse um dia. O Prémio Nobel da Literatura vai para quem conseguir descrever a dor – apenas posso falar da vontade de desmaiar, da sensação de fraqueza e de impotência, muito contrária ao vigor feminino quase místico que deveria, supostamente, surgir. E quanto aos dois centímetros, foram resolvidos por um engenho humano um pouco arcaico chamado episiotomia. Mais uma vez, onde estava a perfeição da natureza quando foi precisa?